Gramática, vocabulário, estilo: a caixa de ferramentas que todo escritor precisa ter segundo Stephen King
 



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Gramática, vocabulário, estilo: a caixa de ferramentas que todo escritor precisa ter segundo Stephen King

Kethlyn Machado


Agora que já conhecemos a premissa de "Sobre a escrita" e o que Stephen King acredita ser indispensável para ser um escritor (ler muito e escrever muito), está na hora de entrarmos nos pormenores do ofício: escrever. E para isso, King recomenda que tenhamos uma "caixa de ferramentas" para nos auxiliar com os conhecimentos que temos sobre a escrita. É importante termos em mente que cada pessoa é única, individual, com suas próprias experiências, assim, as caixas serão diferentes. "Gostaria de sugerir que, para escrever com o máximo de suas habilidades, convém construir sua própria caixa de ferramentas e depois trabalhar a musculatura para carregá-la com você. Assim, em vez de topar com um trabalho difícil e desanimar, talvez você saiba pegar a ferramenta certa e partir para o trabalho imediatamente".

Para começar, "as ferramentas mais comuns ficam em cima. A mais comum de todas, o pão da escrita, é o vocabulário". Se pararmos para pensar, nós, seres que vivem em sociedade e são expostos a diferentes grupos sociais, já temos nosso vocabulário próprio, que advém das diversas relações sociais a que somos expostos. É comum que ao escrevermos literatura, nos vemos compelidos a escrever com um vocabulário mais rebuscado, tentando - sem sucesso, na maioria das vezes -, imitar os grandes nomes da literatura. E essa abordagem não nos convém, se você tem o seu vocabulário próprio, use-o, é uma marca sua e tem possibilidade de expansão ("ler muito"). "Lembre que a regra básica do vocabulário é: use a primeira palavra que lhe vier à cabeça, se for adequada e interessante. Se hesitar e ponderar, você vai encontrar outra palavra - claro que vai, sempre existe outra palavra -, mas é bem provável que ela não seja tão boa quanto a primeira, ou tão próxima do que você realmente quer dizer."

Ainda no primeiro nível da caixa, que diz respeito ao uso da língua, temos a gramática - sim, a própria, que desperta o terror em muitos. Tenha em mente que a gramática faz e sempre fará parte do seu trabalho, é uma ferramenta importante, e quanto antes você aceitar isso, melhor. "A gramática não é apenas chateação; é a estrutura em que você se apoia para construir os pensamentos e colocá-los no papel". Mas não se desespere, você sabe muito mais do que pensa, e se não souber, vai melhorando durante o processo de escrita. Agora que não está mais na escola, com toda aquela pressão, "você pode estudar certos assuntos acadêmicos com um grau de concentração que jamais teria".

Para nos ajudar a construir nossa caixa, ainda pensando na gramática, o autor nos traz algumas dicas essenciais para o bom funcionamento do nosso texto. Primeiro, se apoie na construção padrão, simples, sujeito-verbo: "Substantivos e verbos são as duas classes indispensáveis na escrita. Sem uma delas, nenhum grupo de palavras pode ser uma oração, pois uma oração é, por definição, um grupo de palavras contendo um sujeito (substantivo) e um predicado (verbo)". Antes de se aventurar em construções mais complexas ou fragmentadas, opte pelo básico bem-feito; King traz a palavra de William Strunk, que foi um professor de inglês na Universidade Cornell nos EUA e autor do livro "The Elements of Style", para corroborar sua ideia: "A menos que tenha certeza de estar fazendo direito, é provável que [o escritor] se saia melhor quando segue as regras".

Segundo, evite a voz passiva. "É fraco, é indireto e muitas vezes tortuoso". A voz ativa deixa a frase muito mais forte e impactante, não tenha medo de explicitar quem faz a ação, deixe o personagem se apropriar daquilo que faz e daquilo que diz. Veja dois exemplos que Stephen King nos dá: "Meu primeiro beijo sempre será lembrado por mim como a maneira como meu romance com a Shayna começou" e "Meu romance com Shayna começou com nosso primeiro beijo. Nunca vou me esquecer". Para o autor, a segunda frase é muito mais forte e doce, além de acreditar que fica bem mais fácil de entender o pensamento quando dividido em dois (quem faz e quem sofre a ação).

Além da voz passiva, o autor renega o uso de advérbios - sim, aqueles terminados em -mente). Em especial com os verbos dicendi, pois "você provavelmente contou sua história bem o suficiente para acreditar que quando "disse ele", o leitor vai saber como ele disse - rápido ou devagar, com alegria ou tristeza", certo? Entendo que queira se fazer entender, que o leitor o compreenda e não fiquei perdido, mas não subestime o seu público. O processo de leitura também serve como aprendizado, desafiar o leitor é muito mais interessante do que entregar tudo de bandeja. "Seu leitor pode estar atolado em um pântano, e em hipótese alguma deixe de lhe jogar uma corda... mas não é preciso deixá-lo inconsciente atirando 30 metros de um cabo de aço em sua cabeça".

O segundo nível da caixa se refere a questões de estilo. Parágrafos, descrições, tema. Em relação aos parágrafos, é importante ter em mente que eles "são quase tão importantes em aparência quanto em conteúdo; são mapas de intenção", assim, é preciso construí-los de maneira organizada. O autor diz que os parágrafos ideais, ao menos os expositivos, começam com uma frase síntese, e seguem com construções que explicam ou ampliam essa síntese. Essa forma básica do parágrafo "exige que o escritor organize os pensamentos e também evita que fuja do tema", ação indispensável já que "a escrita é pensamento refinado". As descrições não precisam ser imensas, construções mais enxutas "podem funcionar maravilhosamente para dar agilidade à narração, criar imagens claras e uma atmosfera de tensão, bem como variar a linha da prosa" e, em consonância com os diálogos, dão vida à prosa.

Como aqueles que constroem móveis e casas, "uma tábua de cada vez, com um tijolo de cada vez. Você vai construir um parágrafo de cada vez, feitos do seu vocabulário e do seu conhecimento de gramática e estilo básicos". Não se preocupe se não tiver as melhores e mais caras ferramentas, comece com o que você tem e vá aprimorando. "No nível mais básico, estamos apenas discutindo uma habilidade aprendida, mas acho que concordamos que mesmo as habilidades mais básicas podem criar coisas muito além de nossas expectativas".

Levar esses aspectos em consideração é um sinal de respeito com o nosso trabalho e com nossos futuros leitores, além de tornar a escrita mais fácil e mostrar que levamos a sério nosso ofício. Mas, claro, lembre-se que cada pessoa é única, então não deixe de construir a sua própria caixa de ferramentas.



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